Doença de Chagas

Doença de Chagas (DC) ou Tripanossomíase Americana é uma infecção parasitária, antropozoonose, causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi e transmitida pelo triatomíneo, popularmente conhecido como bicho-barbeiro.

A doença apresenta curso clínico bifásico, aguda e crônica, sendo que a fase aguda, muitas vezes sem sintomas, pode evoluir para fase crônica. A gravidade dos casos pode estar relacionada à cepa infectante, a via de transmissão e também a associação com outras patologias concomitantes.

A DC é reconhecida há mais de um século e acomete, principalmente, populações negligenciadas, sendo considerada uma das enfermidades de maior impacto global com estimativa, aproximadamente, de infecção de 6 milhões de pessoas, com incidência de 30 mil casos novos por ano, 14.000 mortes/ano e 8.000 recém-nascidos infectados durante a gestação. É uma doença de característica de países subdesenvolvidos, sendo endêmica de 21 países das Américas.

A infecção pode ocorrer pela transmissão vetorial, oral, transfusional, transplantar, vertical (ou congênita) e acidental.

Atualmente existem grandes preocupações pela transmissão oral, principalmente na região Norte do Brasil, área mais afetada.

Já a transmissão vetorial está envolvida com o contágio da pele e mucosas por meio das fezes e urina contaminadas dos insetos hematófagos da subfamília Triatominae.

Diante da possibilidade de infecção, a pessoa deverá procurar a Unidade Básica de Saúde imediatamente. No caso da possibilidade de transmissão vetorial, caso a pessoa consiga capturar o barbeiro, este também deverá ser levado no ato da consulta, para análise laboratorial. Isto é importante porque devem ser realizadas ações no local, e análise da possibilidade da aplicação de inseticidas.

 


 

Agente Etiológico

 

É o protozoário flagelado Trypanosoma cruzi. No sangue de vertebrados, apresenta-se na forma infectante tripomastigota e, nos tecidos, na forma amastigota. Já nos insetos, ocorrem várias maturações, destacando-se a forma infectante, que são as formas encontrada nas fezes e urina do inseto.

 

Doença de Chagas
Figura 1. Formas do Trypanosoma cruzi em hospedeiros vertebrados: (A) tripomastigota (forma sanguínea); (B) amastigota (forma em células musculares). Fonte: Adaptado de Doença de Chagas e seus principais vetores no Brasil. FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2008.

 


 

Vetores

 

Os vetores são triatomíneos (insetos) popularmente conhecidos como bicho-barbeiros. Alguns fatores determinam e condicionam a ocorrência e prevalência de triatomíneos no ambiente humano, como a forma com que a população humana ocupa e explora o ambiente. Assim, relevantes questões são apresentadas, como: migração, degradação do ambiente e condições socioeconômicas (habitações em condições precárias ou perto de matas). Portanto, a colaboração da população é essencial na procura e identificação do barbeiro, devendo o proprietário colaborar na ação de combate ao vetor.

 

Maior risco de transmissão:

  • Existência de espécies de triatomíneos autóctones (nativos);
  • Presença de mamíferos reservatórios de T. cruzi;
  • Focos residuais de T. infestans.

 

Estágios evolutivos do vetor (triatomíneos):

  • O desenvolvimento dos triatomíneos apresenta três fases: ovo, ninfa e adulto. Os ovos levam cerca de duas a três semanas para eclodir e são depositados, diretamente, no ambiente. Porém, algumas espécies apresentam substâncias adesivas, possibilitando a dispersão dos mesmos no ambiente por meio da migração de animais (ovos aderidos a penas de aves, advindo de seu ninho), objetos ou material orgânico introduzido no ambiente (folhas de palmeira utilizadas para cobertura de casas), dentre outros. Já na segunda fase do ciclo de vida, a ninfa se alimentará de sangue e sofrerá uma muda, passando para o 2º estádio e assim, sucessivamente, até o 5º estádio de ninfa. A última muda originará o adulto (macho ou fêmea). A ninfa é diferente do adulto, porque ainda não apresentou o desenvolvimento das asas e dimorfismos sexual. Todos os estágios evolutivos necessitam do repasto sanguíneo para o desenvolvimento evolutivo, começando três dias após a eclosão dos ovos, podendo se tornarem infectados por Trypanosoma cruzi após a alimentação. O tempo de vida dos triatomíneos pode variar de espécie para espécie, podendo ser de seis meses a dois anos.

 

Doença de Chagas
Ciclo de vida de triatomíneos. Fonte: Doença de Chagas e seus principais vetores no Brasil. FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2008.

 

 

A importância do registro, das espécies encontradas, está relacionada com a presença de espécies com potencial de colonização e altas taxas de infecção natural.

 

  • As espécies com importância de domiciliação são:

 

Triatoma infestans

Doença de Chagas

 

 

Tamanho de 21 a 29 mm; domiciliado; ainda possui pequenos focos residuais no Rio Grande do Sul e Bahia; Risco de reintrodução da espécie no Paraná.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

  • Espécies com importância devido ao potencial colonizador são:

 

Panstrongylus megistus

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 26 a 38 mm; possui potencial para domiciliação; presente em peridomicílios e na área silvestre.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Triatoma brasiliensis

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 22 a 25,5 mm; domicílio, peridomicílio e silvestre.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Triatoma maculata

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 16,5 a 22 mm; silvestre (ocos de árvores, ninhos, palmeiras); frequentemente em peridomicílio e eventualmente em domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

 

Triatoma pseudomaculata

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 17 a 20 mm; silvestre (casca de árvores, refúgios de roedores e marsupiais); peridomicílio (currais, galinheiros) e ocasionalmente em domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Triatoma rubrovaria

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 21 a 25 mm; silvestre (entre pedras) de peridomicílio e domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Triatoma sordida

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 14 a 20 mm; silvestre, peridomicílio (galinheiros) e domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

  • Espécies silvestres com importância de infecção são:

 

Triatoma tibiamaculata

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 29 a 33 mm; silvestre (refúgios e ninhos de marsupiais).

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Triatoma vitticeps

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 27,5 a 38 mm; silvestre (refúgio de marsupiais e roedores); peridomicílio (galinheiros, estábulos e currais) e domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2015.

 

Panstrongylus geniculatus

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 17,5 a 20,5 mm; predominantemente silvestre (palmeiras e ninhos), peridomicílio e domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Panstrongylus lutzi

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 24 a 29 mm; silvestre (tocas de tatus, rochas habitadas por mocós); peridomicílio (galinheiros) e domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Rhodnius neglectus

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 22 a 29,5 mm; silvestre (refúgios de marsupiais, morcegos e roedores; palmeiras; troncos e casca de árvores).

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Rhodnius pictipes

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 18 a 22 mm; silvestre (palmeiras e bromélias) e domicílio (invasor).

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Rhodnius robustus

Doença de Chagas

 

 

 

Tamanho de 20 a 26 mm; silvestre (palmeiras), peridomicílio e eventualmente em domicílio.

Fonte: Adaptado de FIOCRUZ – Instituto Oswaldo Cruz, 2014.

 

Existe registro de triatomíneos em todas as regiões do Brasil. No ano de 2014 à 2018, 1.724 municípios registraram o inseto no intradomicílio; dentre as principais espécies, destacamos a Triatoma pseudomaculata: em 598 municípios; Triatoma sordida: em 524 municípios; e Triatoma brasiliensis, em 456 municípios. Já no peridomicílio, foram encontrados 1.440 municípios com o registro de triatomíneos, a maioria desses com Triatoma sordida (523 municípios), Triatoma pseudomaculata (500 municípios) e Triatoma brasiliensis (424 municípios).

 


 

Como coletar amostras para Identificação

 

Para análise de um triatomíneo, transmissor da doença de Chagas, leve-o para um Posto de Informação de Triatomíneo (PIT), mais próximo de seu município, provavelmente localizado em uma UBS ou na Vigilância Ambiental da Secretaria Municipal de Saúde do município. Antes de pegar o animal, proteja suas mãos, usando um saco plástico. Coloque o inseto em um saco plástico ou em um pote e lacre-o, para impedir a saída do inseto.

 

Doença de Chagas
Modo de captura para triatomíneos. Fonte: Adaptado do Ministério da Saúde.

 

A identificação será realizada pelo município, que entrará em contato com o coletor, para informar se o inseto entregue é ou não um barbeiro (triatomíneo); caso seja, deverá ser realizada uma busca ativa no local para averiguar a presença de mais exemplares no local, este processo deve ser acompanhado por técnicos da Vigilância Ambiental do município.

 


 

Reservatórios e Hospedeiros

 

O Trypanosoma cruzi é um protozoário que tem seu ciclo de vida em hospedeiros vertebrados (mamíferos) e invertebrados (triatomíneos). O protozoário apresenta duas principais formas evolutivas diferentes, tanto no homem quanto no vetor (bicho-barbeiro): amastigota e tripomastigota.

Os reservatórios são os animais infectados, que apresentam o T. cruzi na circulação sanguínea e na musculatura dos órgãos. Esses podem ser encontrados em área silvestre (região de mata), intradomicílio (dentro da residência) e peridomicílio - próximo às residências (Ex: gambá, tatu, cães, gatos, macaco, preguiça, rato, entre outros).

Curiosidades: Répteis e aves não são considerados reservatórios, uma vez que T. cruzi não sobrevive nesses animais.

 


 

Modo de Transmissão

 

Há diversas formas de transmissão, dentre elas, podemos citar:

  • Transmissão vetorial, a qual, com a picada do bicho-barbeiro e defecação das formas infectantes no ser humano, podem acabar entrando em contato com a lesão provocada pela picada ou mucosas;
  • Transmissão por via oral, que ocorre quando há ingestão de alimentos contaminados por triatomíneo ou suas fezes e, também, por meio de ingestão de carne crua ou mal cozida provenientes de caça. É o tipo de transmissão que está associada a casos de surtos de Doença de Chagas Aguda (DCA);
  • Transmissão vertical: ocorre através da via placentária, podendo ser tanto na fase da doença aguda quanto na crônica e pode ocorrer durante a gestação ou no parto.
  • Transmissão transfusional, a qual ocorre quando da transfusão de sangue. É importante via de propagação da doença nos centros urbanos. O Brasil tem alcançado impacto significativo no controle dessa transmissão, devido aos cuidados no controle dos serviços de hemoterapia; portanto, maior qualidade do sangue para a transfusão;
  • Transmissão por acidentes laboratoriais também podem ocorrer devido ao contato com culturas de T. cruzi, exposição às fezes de triatomíneos contaminadas ou sangue (de humanos e animais), contendo formas infectantes do parasito.

 


 

Período de Transmissibilidade

 

A maioria dos indivíduos infectados com T. cruzi permanecem com o parasito nos tecidos, órgãos e no sangue durante toda a vida.

 


 

Período de Incubação

 

O período de incubação, ou seja, o tempo que os sintomas vão começar a aparecer a partir da infecção, irá depender do modo de transmissão.

  • Transmissão vetorial: 4 a 15 dias;
  • Transmissão oral: 3 a 22 dias;
  • Transmissão vertical: pode ser transmitida em qualquer período da gestação ou durante o parto;
  • Transmissão transfusional: em média, 30 a 40 dias;
  • Transmissão acidental: aproximadamente, até 20 dias.

 


 

Aspectos Clínicos

 

A doença se diferencia em duas fases bem distintas: aguda e crônica.

Após a picada (4 a 10 dias), a pessoa pode apresentar sintomas gerais, como: febre, mal-estar e falta de apetite. Somado a esses, podem, também, aparecer uma leve inflamação no local da picada (chagoma); aumento dos gânglios (ínguas); aumento do baço e do fígado, os sinais podem ser representados clinicamente em endurecimento regional no abdômen e dor abdominal; ainda, algumas pessoas podem desenvolver formas graves cardíacas.

Como alguns barbeiros têm preferência pela região dos olhos, uma lesão inflamatória foi descrita como Sinal de Romaña, mas não é comum ser identificada.

Na fase aguda, a doença é passível de tratamento. Entretanto, a dificuldade reside no fato dela passar despercebida.

Encerrada a fase aguda, caso não ocorra cura, os pacientes podem desenvolver a doença crônica, ensejando complicações cardíacas (insuficiência cardíaca) e/ou digestivas, como megacólon e megaesôfago.

A fase crônica é definida em três etapas:

  1. Indeterminada: Embora infectada, a pessoa permanece assintomática por toda a vida.
  2. Cardíaca: com comprometimento do músculo do coração, e é a forma que mais causa morte pela doença.
  3. Digestiva: acomete o intestino grosso (cólon) e, também, o esôfago. Nesses casos, há um aumento das estruturas e perturbação grave da motilidade (megacólon e megaesôfago).

Existe, ainda, uma forma associada, que se comporta com a combinação das duas últimas descritas (cardíaca e digestiva).

 


 

Diagnóstico

 

Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, aumenta-se o sucesso do tratamento. Toda a rotina do diagnóstico (parasitológico e sorológico) é de conhecimento da Unidade de Atendimento.

Recomenda-se realizar diagnóstico de pessoas assintomáticas, nos seguintes casos:

  • Parentes ou que contenham o convívio de pessoas que apresentaram diagnóstico positivo para Chagas;
  • Residentes de área rural com relato de presença de barbeiro;
  • Pessoas com histórico de transfusão sanguínea antes de 1992;
  • Indivíduos que tenham ingerido alimento contaminado por T. cruzi em surto recente e/ou tenham contato direto com barbeiros e/ou suas fezes em até 4 meses anteriores à investigação.

 


 

Tratamento

 

A medicação é fornecida gratuitamente pelo SUS, dentro de protocolos estabelecidos pelo Ministério de Saúde e Sociedades Médicas.

 


 

Medidas Preventivas

 

A prevenção está relacionada a forma de transmissão do T. cruzi. Dentre elas, destacam-se:

  • Transmissão vetorial: controlar a domiciliação do bicho barbeiro; melhoria de moradias (servem de abrigo aos vetores); desenvolver manejo ambiental (evitando a degradação ambiental); monitoramento e investigação entomológica de vetores e de reservatórios; Realizar exames laboratoriais em humanos quando houver caso positivo de T. cruzi em vetores;
  • Transmissão oral: intensificar medidas de vigilância sanitária para manipulação de alimentos; investigação entomológica em casos suspeitos ou positivos de contaminação oral; a fonte de iluminação deve ser distante dos equipamentos de processamento de alimentos (evitar contaminação acidental de vetores atraídos pela luz); realizar educação e capacitação da população e de profissionais que manipulam alimentos; Providenciar o cozimento acima de 45°C, a pasteurização ou a liofilização;
  • Transmissão vertical: diagnóstico e acompanhamento de gestantes infectadas (tratamento em crianças menores de um ano pode proporcionar a cura parasitológica em mais de 90% dos casos); exames laboratoriais na mãe e familiares;
  • Transfusional e transplante: inspeção sanitária e retrovigilância;
  • Transmissão acidental: verificar utilização apropriada de Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Além disso, para todas as formas de transmissão, a realização de educação em saúde para população e fortalecimento da participação social são também importantes formas de prevenção.

 


 

Documentos

 

Boletim Epidemiológico 2020

 

Legislação

 

Fichas, Formulários e Planilhas

 

Material

 

Links