Ameaça Invisível: Paraná desmistifica bactéria rara e lidera diagnóstico nacional 18/12/2025 - 14:40

O Laboratório Central do Paraná (Lacen/PR), referência para a saúde pública no Estado, está no centro de uma iniciativa estratégica que visa proteger o Brasil de uma ameaça invisível e potencialmente letal: a bactéria emergente Phytobacter diazotrophicus. O microrganismo, que se revelou um patógeno oportunista de alta periculosidade, estava há anos passando despercebido nos diagnósticos nacionais, sendo confundido com bactérias de menor risco. A descoberta do Paraná agora foi compartilhada com cerca de 300 laboratórios de todo o país para um diagnóstico unificado e melhor controle da qualidade da identificação dessa bactéria.

A Phytobacter diazotrophicus é um microrganismo historicamente associado a plantas que se tornou um causador de infecções graves em ambientes hospitalares, explorando pacientes com sistema imunológico enfraquecido. A ameaça se tornou palpável em um surto de sepse (infecção descontrolada e grave) associado à Nutrição Parenteral Total (NPT) contaminada, ocorrido em vários estados brasileiros entre 2013 e 2014.

Na ocasião, a taxa de mortalidade entre os casos confirmados de bacteremia foi de 26,8% (15 óbitos em 56 casos), afetando gravemente neonatos e pacientes críticos. O grande risco da Phytobacter, que inclui as espécies P. diazotrophicus e P. ursingii, não é apenas a virulência, mas o fato de que ela foge do radar diagnóstico dos sistemas tradicionais. A ameaça é estratégica devido a sua "invisibilidade" diagnóstica.

Em um ensaio de proficiência recente, realizado com laboratórios de todo o Brasil, houve uma taxa de erro (não conformidade) de 86% ao tentar identificar a Phytobacter diazotrophicus. Os sistemas automatizados comerciais e métodos manuais falham sistematicamente, identificando-a erroneamente como a bactéria Pantoea agglomerans, Kluyvera ou Enterobacter - essas que são bactérias de menor relevância clínica, que normalmente vivem no corpo ou no ambiente sem causar problemas, mas se aproveitam de um hospedeiro com o sistema imunológico enfraquecido ou com alguma doença/lesão para causar infecções graves que uma pessoa saudável não desenvolveria. Sem a identificação correta, não há controle de surto nem tratamento adequado.

DESCOBERTA - O trabalho científico no Lacen começou justamente durante o surto de 2013-2014, quando as amostras indicaram a presença dessas bactérias de menor relevância clínica. Devido a inconsistências nos testes, a equipe do Lacen iniciou uma investigação mais aprofundada.

Depois de anos de análises, investimentos em tecnologia de ponta, adoção de metodologias avançadas e cooperação com outras instituições, inclusive da Suíça, o grupo de pesquisadores paranaenses do Lacen confirmou à comunidade científica em 2018 que, na verdade, se tratava do agente Phytobacter diazotrophicus. Essa descoberta desvenda a verdadeira natureza da bactéria responsável pela morte dos bebês prematuros e pelo adoecimento de 65 pessoas no país.

Durante a mesma investigação, os pesquisadores paranaenses identificaram uma outra espécie desconhecida e a nomearam de Phytobacter ursingii.

RESISTÊNCIA - A urgência em "desmascarar" o patógeno reside na sua rápida evolução. O Phytobacter tem se revelado um reservatório de genes de resistência crítica (resistência antimicrobiana), tornando o tratamento extremamente difícil.

Estudos genômicos confirmaram que isolados clínicos podem carregar genes de resistência a carbapenêmicos (antibióticos de último recurso), similar ao que ocorre com as "superbactérias” (que carregam blaKPC e o blaNDM-1), resistentes a quase todos os antibióticos, inclusive os carbapenêmicos (de último recurso), e podem causar infecções graves em hospitais, com mais risco de mortalidade. Outro que se assemelha é o gene mcr-9, associado à resistência à colistina, um potente antibiótico utilizado como último recurso. Isso significa que a bactéria pode resistir à maioria das classes de antimicrobianos essenciais.

“Com o diagnóstico mais assertivo do laboratório do Paraná, ao identificar corretamente a Phytobacter, os hospitais podem detectar precocemente esses genes de resistência crítica que a bactéria carrega, evitando a disseminação horizontal para outras bactérias hospitalares. É o primeiro passo para bloquear uma nova via de transmissão de multirresistência”, destacou o cientista que coordenou a pesquisa, professor Marcelo Pillonetto.

A história completa sobre os bastidores da identificação do patógeno foi registrada e lançada pelo Lacen/PR no documentário “A Saga do Phytobacter”. O filme foi lançado em5 de dezembro em Curitiba. O documentário está disponível no canal da Sesa no YouTube.

LIDERANÇA - O Laboratório Central do Paraná agora lidera uma iniciativa considerada estratégica para a segurança sanitária nacional. Em parceria com a empresa Controllab, o Lacen distribuiu amostras da superbactéria rara para cerca de 300 laboratórios em todo o país em novembro. A distribuição visa alertar os laboratórios sobre a falha massiva (86% de erro) em seus sistemas atuais.

O secretário estadual da Saúde, Beto Preto, reforçou o papel do Estado: "O Lacen se consolida como um centro de excelência, produzindo ciência de ponta que impacta todo o país. Nossa contribuição não é apenas na reação a surtos, mas na identificação inédita de patógenos e na distribuição desse conhecimento. O Paraná se transforma em um polo de segurança sanitária, inovando para que a saúde pública se antecipe a ameaças invisíveis de resistência antimicrobiana."

LABORATÓRIO - O Lacen/PR, vinculado à Sesa, é a referência no Paraná para exames voltados à vigilância epidemiológica e ao monitoramento de doenças, sendo o órgão responsável por gerar os alertas que se transformam em políticas públicas e proteção das comunidades. Neste ano de 2025, o laboratório completou 131 anos de história.
A diretora do Lacen, Célia Fagundes Cruz, ressaltou o papel de referência da instituição. "A distribuição dessas amostras é um ato de responsabilidade sanitária. O Lacen, como referência, tem o dever de garantir que os laboratórios do país atinjam o mais alto nível de precisão diagnóstica. Ao desmascararmos esse patógeno, protegemos não só a população paranaense, mas fortalecemos todo o sistema de saúde brasileiro contra a ameaça da multirresistência" destacou.